sábado, 22 de junho de 2013

“SE O NOVO JÁ É VELHO, IMAGINE O ANTIGO?” FORMAÇÃO E TERRITORIALIDADES DA FEIRA LIVRE DO APRAZÍVEL, SOBRAL (CE)

Analine Maria Martins Parente[1]
analine.p@hotmail.com
Antonia Neide Costa Santana[2]
neidesan@gmail.com


Introdução
Durante a realização do nosso curso de graduação em Geografia, na Universidade Estadual Vale do Acaraú, em Sobral/CE, elegemos como objeto de estudo a Feira Livre de Aprazível, no distrito de mesmo nome, pertencente ao município de Sobral (CE). O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi direcionado para a área da Educação, visto que, o curso era de Licenciatura.
No decorrer da pesquisa da graduação identificamos impactos sócio-espaciais e comerciais, disputas de territórios, conflitos políticos e administrativos, bem como, a “inserção” do distrito de Aprazível no circuito comercial nacional devido à exportação de mercadorias para outras regiões do Brasil, como o Sudeste e o Sul. O TCC do curso de Licenciatura nos direcionou para a relação da feira com o sistema de ensino local e os vários pontos detectados e relacionados acima ficaram latentes, no limiar do trabalho, nos estimulando à continuidade da pesquisa no curso de mestrado e à ampliação das discussões iniciadas durante a graduação, para um estudo mais detalhado, procurando entender sua interligação com alguns conceitos, tais como, território, redes e informalização/formalização do trabalho. Outro motivo para a escolha desse tema deve-se à relação de proximidade com o objeto em questão, visto que sou moradora do distrito, portanto, acompanho o desenvolvimento da feira desde a sua chegada.
A feira, antes situada em Sobral, foi deslocada para Aprazível, trazendo expectativas, relacionadas à geração de emprego e renda, e problemas, advindos da falta de infraestrutura para abrigar feirantes, fregueses e ônibus/automóveis cuja quantidade extrapola e sobrecarrega a vida pacata do lugar.
Tendo em vista a opção por esta pesquisa, procuramos desenvolvê-la à luz da ciência geográfica, entendendo a feira, na contemporaneidade, como fenômeno do comércio informal inserindo-a nos estudos dos circuitos da economia abordados anteriormente por Santos (2005).
O fenômeno do comércio informal tem se expandido, principalmente nas cidades do interior do Nordeste. A ausência de um mercado de trabalho favorável, a pouca qualificação do trabalhador faz com que, a cada dia, pessoas optem por novas alternativas para a geração de emprego e renda, e o movimento do comércio, tem crescido graças às facilidades oferecidas, tais como: mercadorias vendidas em grande quantidade e com pagamento à vista além da não exigência de qualificação do trabalhador para atuar neste segmento (SILVEIRA, 2004). Tal sistema comercial varejista cresce e acaba ganhando reconhecimento nos estados circunvizinhos, chamando a atenção dos compradores que buscam mercadorias com preços inferiores aos do comércio formal, mas de boa qualidade.
Se nos aprofundarmos nas discussões referentes aos circuitos da economia (SANTOS, 2005), poderemos compreendê-la como uma atividade do circuito inferior, mas com algumas contradições em relação ao conceito, devido a fatores tais como a existência de uma organização administrativa, Associação dos Feirantes de Aprazível (AFA), assim como a presença do poder público, por meio da Prefeitura Municipal de Sobral.
Por estes motivos e caracterizações realizadas acima é que a Feira Livre de Aprazível passou a ser objeto de estudo em nosso projeto de mestrado, pois a mesma além da dinâmica evidenciada nos dias de funcionamento, pode ser considerada como catalizadora da precarização das relações empregatícias, justificando novas formas de trabalho e transformações espaciais recorrentes, devido ao crescimento do comércio informal no referido distrito.

Desenvolvimento
A Feira Livre do Distrito de Aprazível atualmente localiza-se no distrito em questão, a 25 km da cidade de Sobral, na região noroeste do Ceará. A referida atividade comercial é oriunda dessa cidade e foi alocada, em Aprazível, há aproximadamente doze anos.
Antes conhecida como “Shopping-chão”, a feira situava-se em Sobral, na Praça da Meruoca (atual Praça de Cuba), cujo solo urbano é bastante valorizado por situar-se no centro comercial da cidade. A localização privilegiada da referida feira passou a gerar descontentamento entre os comerciantes locais, muitos lojista acreditavam que a feira atrapalhava as vendas, por isso passaram a pressionar o sindicato da categoria exigindo o seu deslocamento para um espaço distante da área central.
Após várias reclamações desses lojistas ao sindicato, a feira foi transferida para o Bairro do Junco, sendo alocada no espaço que deveria receber o prédio do novo mercado de Sobral, o “Mercado Novo”, como era conhecido, atual Centro de Convenções. Mesmo após o deslocamento a feira continuou a interferir nas vendas do comércio formal da cidade, sendo novamente prioridade transferi-la para um espaço ainda mais distante.
 Em decorrência de tantas reclamações, o sindicato dos lojistas, que julgaram a feira prejudicial ao comércio local, conseguiu transferi-la da sede do município, Sobral, para o distrito de Aprazível em Julho de 2001.
A mudança da feira, com aproximadamente 400 barracas, foi realizada para um terreno com pequenos pontos de alagamento visíveis no período chuvoso. As barracas, “estruturas“ assim denominadas pelos feirantes e autoridades locais, foram montadas sem a implantação de pisos de cimento para sua sustentação, tão pouco estabelecimentos comerciais como, por exemplo, restaurantes e pousadas/hotéis, ou seja, um ambiente sem condições físicas para receber feirantes e sacoleiros que viriam de vários estados, como Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte e Amapá (no caso do estado do Amapá, há excursões com sacoleiros que vêm comprar mercadorias na feira, duas vezes ao ano).
 Em 2013 são cerca de 1.300 barracas aproximadamente cadastradas na AFA, instituição criada após um ano da chegada da Feira, ou seja, em 2002, que tem por finalidade estabelecer a organização estrutural da feira e cuidar da arrecadação financeira das barracas, cuja coleta é realizada semanalmente. O dinheiro arrecadado é utilizado no pagamento dos funcionários (seguranças, cobradores, técnico de enfermagem, zeladores, eletricistas, cozinheiro) que cuidam do espaço; na manutenção de um ambulatório de primeiros socorros; consertos das barracas quebradas; na preservação do sistema de comunicação realizado por intermédio de um auto-falante; assim como das atividades desenvolvidas pelos administradores.
A equipe administrativa da feira é eleita por meio do voto a cada quatro anos. O voto, nesse processo, é permitido apenas para os feirantes e donos de barracas que sejam cadastrados na Associação. O tempo de duração para o mandato da chapa é de quatro anos. As chapas são inscritas com os seguintes cargos: Presidente, Vice-presidente, Secretário e Tesoureiro, além do Conselho Fiscal.
 Nos anos de eleições várias chapas se inscrevem com a intenção de comandar as questões administrativas da feira, a disputa costuma ser conflituosa, pois há uma certa insatisfação entre os grupos da oposição e os atuais administradores (situação), que divergem opiniões no que diz respeito à organização da feira. Após as inscrições das chapas todo o território da feira fica adornado de cartazes, panfletos e outdoors de divulgação com as propostas dos candidatos.
Outro fator de relevância, a ser observado e analisado, diz respeito à tipologia dos produtos expostos: no início comercializava-se apenas roupas íntimas, jeans, calçados, artigos de cama, mesa e banho. Atualmente inúmeros tipos de produtos são comercializados, tais como: frutas, artesanatos em geral (rede, bordados, arranjos florais), bijouterias, objetos de couro (cintos, bolsas, calçados), CD’s e DVD’s, celulares importados, perfumaria, alumínio, relógio, óculos de sol, entre outros artigos.
Após alguns anos da chegada da feira ao distrito, o mesmo vem passando por um processo de transformação sócio-espacial com a construção dos chamados objetos geográficos (SANTOS, 2006), tais como a reestruturação das lojas, impondo um novo padrão arquitetônico ao espaço urbano. As consequências desse processo se materializam na valorização do solo urbano não somente da área central, mas também periférica, que tem se intensificado com o passar dos dias.
A condição financeira atual dos feirantes é outro fator a se destacar, pois os mesmos além de terem se tornado donos das grifes, podem ser considerados grandes empresários que investem nas marcas vendidas na feira, dispondo de produtos não apenas nas barracas, mas em shopping centers, ou até mesmo importados dentro do próprio país, não somente por meio dos sacoleiros que revendem a mercadoria como também via representantes comerciais, em busca de produtos com preços acessíveis para revenda nos estados localizados em outras regiões do Brasil, principalmente, Sul e Sudeste.
Ao mesmo tempo em que a feira provoca um expressivo crescimento para o comércio local, além da supervalorização dos espaços nos seus arredores, transformando-os em empreendimentos imobiliários, a chegada desta atividade comercial, trouxe alguns problemas sociais, como é o caso das gangues organizadas para a realização de furtos nas mercadorias das barracas, a prostituição, expressiva devido ao aumento populacional repentino, e sem o devido acompanhamento assistencial, e o comércio de drogas nos dias de feira.
Em decorrência da sua considerável circulação financeira, a feira passou a ser alvo de interesses políticos: em períodos eleitorais os candidatos e as candidatas prometem melhorias na infraestrutura, além da liberação de projetos de apoio ao comércio varejista. Decorrente disso, temos o caso do projeto para construção do Galpão dos Feirantes, com capacidade para 1.000 boxes, além de espaços para restaurantes, banheiros, provadores e estacionamento para carros de pequeno ou grande porte. A desapropriação do terreno para a construção do galpão foi assinada em novembro de 2007, mas até o momento não tem data marcada para o início das obras.
A feira do Aprazível apresenta particularidades em relação às demais. Levando em consideração o estudo dos circuitos da economia na geografia, entende-se a feira como relacionada a este conceito, devido ao uso de formas de produção que apresentam contradições ao próprio pensamento de Santos (2006), tais como: a utilização de “capital intensivo e não intensivo”, serviços não modernos e modernos, abastecido por um comércio que mesmo em pequena escala espacial, movimenta quantias não declaradas, mas que indicam um volume considerável, dada a ampliação do setor nos últimos anos. Além disso, a mesma possui uma política de organização liderada pela Associação dos Feirantes, que se responsabiliza pelas despesas e necessidades da feira e respectivamente dos feirantes, cuidando dos instrumentos de publicidade, investindo em sistemas de divulgação.
De acordo com o quadro apresentado, pode-se entendê-la como uma atividade comercial do circuito inferior da economia proposto por Milton Santos (2005), com as contribuições de Maria Laura Silveira (2004), autores que darão embasamento teórico para o entendimento da temática e a elaboração da dissertação do mestrado.
No que diz respeito ao conceito de território, o termo pode ser empregado para explicar as relações de poder estabelecidas em determinados grupos sociais, na busca pelo controle/domínio de uma área. Assim a relação desse conceito com a feira do Aprazível é direta, pois a disputa territorial presente na feira é gritante, pois levando em conta tal perspectiva, a AFA (Associação dos Feirantes de Aprazível) exerce domínio sobre o território da feira, estabelecendo fronteiras, limites e horários de funcionamento, causando descontentamento entre os principais sujeitos do processo, no caso, os feirantes e os sacoleiros.
Ritmos são alterados e conflitos territoriais foram estabelecidos devido à grande circulação de capital no ambiente de feira, visto que o território passa a ser valioso para os que dele dispõe; novos fluxos são estabelecidos, com uma velocidade e intensidade muito além dos existentes, a fim de adaptar a área à realidade decorrente da nova força motriz da vida local: o comércio informal.

Considerações finais
Para tanto vale ressaltar que mesmo com todos os conflitos e disputas identificados até o presente momento, no que diz respeito à organização administrativa da feira e às relações estabelecidas no espaço intra-feira, podemos afirmar que a mesma é essencial para o desenvolvimento econômico e social do distrito de Aprazível, visto que ela dá suporte para a geração de empregos diretos e indiretos, renda e arrecadação para entidades da categoria dos feirantes. O espaço da feira molda as relações sócio-espaciais em seu entorno, gerando uma extrema dependência do fenômeno informal e ao mesmo tempo uma intensa disputa territorial pelo controle do poder no distrito.

Referências bibliográficas
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006.
SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Edusp, 2005.
SILVEIRA, Maria Laura. Globalização e circuitos da economia urbana em cidades brasileiras. Cuadernos del Cendes. Caracas-Venezuela. Ano 21. Terceira época. Setembro-Dezembro de 2004. ISSN: 1012-2508.


[2] Orientadora, Profª. Drª. do Curso de Geografia e do Mestrado Acadêmico em Geografia da Universidade Estadual vale do Acaraú, em Sobral/CE.
                                             

Nenhum comentário:

Postar um comentário