Analine Maria Martins Parente[1]
analine.p@hotmail.com
Antonia Neide Costa Santana[2]
neidesan@gmail.com
Introdução
Durante
a realização do nosso curso de graduação em Geografia, na Universidade Estadual
Vale do Acaraú, em Sobral/CE, elegemos como objeto de estudo a Feira Livre de
Aprazível, no distrito de mesmo nome, pertencente ao município de Sobral (CE). O
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi direcionado para a área da Educação,
visto que, o curso era de Licenciatura.
No
decorrer da pesquisa da graduação identificamos impactos sócio-espaciais e
comerciais, disputas de territórios, conflitos políticos e administrativos, bem
como, a “inserção” do distrito de Aprazível no circuito comercial nacional devido
à exportação de mercadorias para outras regiões do Brasil, como o Sudeste e o
Sul. O TCC do curso de Licenciatura nos direcionou para a relação da feira com
o sistema de ensino local e os vários pontos detectados e relacionados acima
ficaram latentes, no limiar do trabalho, nos estimulando à continuidade da
pesquisa no curso de mestrado e à ampliação das discussões iniciadas durante a
graduação, para um estudo mais detalhado, procurando entender sua interligação
com alguns conceitos, tais como, território,
redes e informalização/formalização do trabalho. Outro motivo para a
escolha desse tema deve-se à relação de proximidade com o objeto em questão,
visto que sou moradora do distrito, portanto, acompanho o desenvolvimento da
feira desde a sua chegada.
A
feira, antes situada em Sobral, foi deslocada para Aprazível, trazendo
expectativas, relacionadas à geração de emprego e renda, e problemas, advindos
da falta de infraestrutura para abrigar feirantes, fregueses e ônibus/automóveis
cuja quantidade extrapola e sobrecarrega a vida pacata do lugar.
Tendo
em vista a opção por esta pesquisa, procuramos desenvolvê-la à luz da ciência
geográfica, entendendo a feira, na contemporaneidade, como fenômeno do comércio
informal inserindo-a nos estudos dos circuitos
da economia abordados anteriormente por Santos (2005).
O
fenômeno do comércio informal tem se expandido, principalmente nas cidades do
interior do Nordeste. A ausência de um mercado de trabalho favorável, a pouca
qualificação do trabalhador faz com que, a cada dia, pessoas optem por novas
alternativas para a geração de emprego e renda, e o movimento do comércio, tem
crescido graças às facilidades oferecidas, tais como: mercadorias vendidas em
grande quantidade e com pagamento à vista além da não exigência de qualificação
do trabalhador para atuar neste segmento (SILVEIRA, 2004). Tal sistema
comercial varejista cresce e acaba ganhando reconhecimento nos estados
circunvizinhos, chamando a atenção dos compradores que buscam mercadorias com
preços inferiores aos do comércio formal, mas de boa qualidade.
Se
nos aprofundarmos nas discussões referentes aos circuitos da economia (SANTOS, 2005), poderemos compreendê-la como
uma atividade do circuito inferior, mas com algumas contradições em relação ao
conceito, devido a fatores tais como a existência de uma organização
administrativa, Associação dos Feirantes de Aprazível (AFA), assim como a
presença do poder público, por meio
da Prefeitura Municipal de Sobral.
Por
estes motivos e caracterizações realizadas acima é que a Feira Livre de
Aprazível passou a ser objeto de estudo em nosso projeto de mestrado, pois a
mesma além da dinâmica evidenciada nos dias de funcionamento, pode ser considerada
como catalizadora da precarização das relações empregatícias, justificando
novas formas de trabalho e transformações espaciais recorrentes, devido ao
crescimento do comércio informal no referido distrito.
Desenvolvimento
A
Feira Livre do Distrito de Aprazível atualmente localiza-se no distrito em
questão, a 25 km da cidade de Sobral, na região noroeste do Ceará. A referida
atividade comercial é oriunda dessa cidade e foi alocada, em Aprazível, há
aproximadamente doze anos.
Antes
conhecida como “Shopping-chão”, a
feira situava-se em Sobral, na Praça da Meruoca (atual Praça de Cuba), cujo
solo urbano é bastante valorizado por situar-se no centro comercial da cidade.
A localização privilegiada da referida feira passou a gerar descontentamento
entre os comerciantes locais, muitos lojista acreditavam que a feira
atrapalhava as vendas, por isso passaram a pressionar o sindicato da categoria
exigindo o seu deslocamento para um espaço distante da área central.
Após
várias reclamações desses lojistas ao sindicato, a feira foi transferida para o
Bairro do Junco, sendo alocada no espaço que deveria receber o prédio do novo
mercado de Sobral, o “Mercado Novo”,
como era conhecido, atual Centro de Convenções. Mesmo após o deslocamento a
feira continuou a interferir nas vendas do comércio formal da cidade, sendo
novamente prioridade transferi-la para um espaço ainda mais distante.
Em decorrência de tantas reclamações, o
sindicato dos lojistas, que julgaram a feira prejudicial ao comércio local,
conseguiu transferi-la da sede do município, Sobral, para o distrito de
Aprazível em Julho de 2001.
A
mudança da feira, com aproximadamente 400 barracas, foi realizada para um
terreno com pequenos pontos de alagamento visíveis no período chuvoso. As
barracas, “estruturas“ assim denominadas pelos feirantes e autoridades locais, foram
montadas sem a implantação de pisos de cimento para sua sustentação, tão pouco
estabelecimentos comerciais como, por exemplo, restaurantes e pousadas/hotéis,
ou seja, um ambiente sem condições físicas para receber feirantes e sacoleiros
que viriam de vários estados, como Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte e Amapá
(no caso do estado do Amapá, há excursões com sacoleiros que vêm comprar
mercadorias na feira, duas vezes ao ano).
Em 2013 são cerca de 1.300 barracas aproximadamente
cadastradas na AFA, instituição criada após um ano da chegada da Feira, ou
seja, em 2002, que tem por finalidade estabelecer a organização estrutural da
feira e cuidar da arrecadação financeira das barracas, cuja coleta é realizada
semanalmente. O dinheiro arrecadado é utilizado no pagamento dos funcionários
(seguranças, cobradores, técnico de enfermagem, zeladores, eletricistas,
cozinheiro) que cuidam do espaço; na manutenção de um ambulatório de primeiros
socorros; consertos das barracas quebradas; na preservação do sistema de
comunicação realizado por intermédio de um auto-falante; assim como das
atividades desenvolvidas pelos administradores.
A
equipe administrativa da feira é eleita por meio do voto a cada quatro anos. O
voto, nesse processo, é permitido apenas para os feirantes e donos de barracas
que sejam cadastrados na Associação. O tempo de duração para o mandato da chapa
é de quatro anos. As chapas são inscritas
com os seguintes cargos: Presidente, Vice-presidente, Secretário e Tesoureiro, além
do Conselho Fiscal.
Nos anos de eleições várias chapas se
inscrevem com a intenção de comandar as questões administrativas da feira, a
disputa costuma ser conflituosa, pois há uma certa insatisfação entre os grupos
da oposição e os atuais administradores (situação), que divergem opiniões no
que diz respeito à organização da feira. Após as inscrições das chapas todo o
território da feira fica adornado de cartazes, panfletos e outdoors de divulgação com as propostas dos candidatos.
Outro
fator de relevância, a ser observado e analisado, diz respeito à tipologia dos
produtos expostos: no início comercializava-se apenas roupas íntimas, jeans,
calçados, artigos de cama, mesa e banho. Atualmente inúmeros tipos de produtos
são comercializados, tais como: frutas, artesanatos em geral (rede, bordados,
arranjos florais), bijouterias, objetos de couro (cintos, bolsas, calçados),
CD’s e DVD’s, celulares importados, perfumaria, alumínio, relógio, óculos de
sol, entre outros artigos.
Após
alguns anos da chegada da feira ao distrito, o mesmo vem passando por um
processo de transformação sócio-espacial com a construção dos chamados objetos geográficos (SANTOS, 2006), tais
como a reestruturação das lojas, impondo um novo padrão arquitetônico ao espaço
urbano. As consequências desse
processo se materializam na valorização do solo urbano não somente da área
central, mas também periférica, que tem se intensificado com o passar dos dias.
A
condição financeira atual dos feirantes é outro fator a se destacar, pois os
mesmos além de terem se tornado donos das grifes,
podem ser considerados grandes empresários que investem nas marcas vendidas na
feira, dispondo de produtos não apenas nas barracas, mas em shopping centers, ou até mesmo importados
dentro do próprio país, não somente por meio dos sacoleiros que revendem a
mercadoria como também via representantes comerciais, em busca de produtos com
preços acessíveis para revenda nos estados localizados em outras regiões do
Brasil, principalmente, Sul e Sudeste.
Ao
mesmo tempo em que a feira provoca um expressivo crescimento para o comércio
local, além da supervalorização dos espaços nos seus arredores,
transformando-os em empreendimentos imobiliários, a chegada desta atividade
comercial, trouxe alguns problemas sociais, como é o caso das gangues
organizadas para a realização de furtos nas
mercadorias das barracas, a prostituição, expressiva devido ao aumento populacional
repentino, e sem o devido acompanhamento assistencial, e o comércio de drogas
nos dias de feira.
Em
decorrência da sua considerável circulação financeira, a feira passou a ser
alvo de interesses políticos: em períodos eleitorais os candidatos e as
candidatas prometem melhorias na infraestrutura, além da liberação de projetos de apoio ao comércio varejista.
Decorrente disso, temos o caso do projeto para construção do Galpão dos
Feirantes, com capacidade para 1.000 boxes, além de espaços para restaurantes,
banheiros, provadores e estacionamento para carros de pequeno ou grande porte.
A desapropriação do terreno para a construção do galpão foi assinada em
novembro de 2007, mas até o momento não tem data marcada para o início das
obras.
A feira do
Aprazível apresenta particularidades em relação às demais. Levando em
consideração o estudo dos circuitos da economia na geografia, entende-se a
feira como relacionada a este conceito, devido ao uso de formas de produção que
apresentam contradições ao próprio pensamento de Santos (2006), tais como: a
utilização de “capital intensivo e não
intensivo”, serviços não modernos e modernos, abastecido por um comércio
que mesmo em pequena escala espacial, movimenta quantias não declaradas, mas
que indicam um volume considerável, dada a ampliação do setor nos últimos anos.
Além disso, a mesma possui uma política de organização liderada pela Associação
dos Feirantes, que se responsabiliza pelas despesas e necessidades da feira e
respectivamente dos feirantes, cuidando dos instrumentos de publicidade,
investindo em sistemas de divulgação.
De
acordo com o quadro apresentado, pode-se entendê-la como uma atividade
comercial do circuito inferior da
economia proposto por Milton Santos (2005), com as contribuições de Maria
Laura Silveira (2004), autores que darão embasamento teórico para o
entendimento da temática e a elaboração da dissertação do mestrado.
No
que diz respeito ao conceito de território, o termo pode ser empregado para
explicar as relações de poder estabelecidas em determinados grupos sociais, na
busca pelo controle/domínio de uma área. Assim a relação desse conceito com a
feira do Aprazível é direta, pois a disputa territorial presente na feira é
gritante, pois levando em conta tal perspectiva, a AFA (Associação dos
Feirantes de Aprazível) exerce domínio sobre o território da feira,
estabelecendo fronteiras, limites e horários de funcionamento, causando
descontentamento entre os principais sujeitos do processo, no caso, os
feirantes e os sacoleiros.
Ritmos
são alterados e conflitos territoriais foram estabelecidos devido à grande
circulação de capital no ambiente de feira, visto que o território passa a ser valioso
para os que dele dispõe; novos fluxos são estabelecidos, com uma velocidade e
intensidade muito além dos existentes, a fim de adaptar a área à realidade
decorrente da nova força motriz da vida local: o comércio informal.
Considerações
finais
Para tanto
vale ressaltar que mesmo com todos os conflitos e disputas identificados até o
presente momento, no que diz respeito à organização administrativa da feira e às
relações estabelecidas no espaço intra-feira, podemos afirmar que a mesma é
essencial para o desenvolvimento econômico e social do distrito de Aprazível,
visto que ela dá suporte para a geração de empregos diretos e indiretos, renda
e arrecadação para entidades da categoria dos feirantes. O espaço da feira
molda as relações sócio-espaciais em seu entorno, gerando uma extrema
dependência do fenômeno informal e ao mesmo tempo uma intensa disputa
territorial pelo controle do poder no distrito.
Referências
bibliográficas
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e
tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006.
SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo:
Edusp, 2005.
SILVEIRA, Maria Laura. Globalização e circuitos da economia urbana em
cidades brasileiras. Cuadernos del Cendes. Caracas-Venezuela. Ano 21. Terceira
época. Setembro-Dezembro de 2004. ISSN: 1012-2508.
[2] Orientadora, Profª. Drª. do
Curso de Geografia e do Mestrado Acadêmico em Geografia da Universidade
Estadual vale do Acaraú, em Sobral/CE.